Por Dra Marcia de Oliveira Pereira/ Fisioterapeuta Especialista na Saúde da Mulher/ Doutora em Ciências da Saúde
Atenção esse material é uma leitura longa, ultrapassa o habitual conteúdo de post, mas ainda assim não tem a pretensão de conter todas as informações importantes sobre a vulvodínea. Serve para auxiliar no direcionamento de quem tem dor na relação sexual com a queixa clínica da vulvodínea.
Resolvi elaborar esse material depois que me foi solicitada uma palestra sobre o assunto da Disfunção Sexual, por isso aproveitei o material coletado junto da experiência para criar esse guia, que espero ser útil . Boa Leitura!
Na região da vulva ou da entrada da vagina a mulher sente “picada de agulha”, “queimação”, “ardência”, “fisgada”, ou descreve simplesmente como dor na região genital, que pode ser ao toque ou mesmo de forma espontânea1,2.
No final desse texto você vai encontrar alguns casos clínicos aqui da nossa clínica.
Em 2003, a Sociedade Internacional para o Estudo da Doença Vulvovaginal (ISSVD) definiu vulvodínia como ‘desconforto vulvar, mais frequentemente descrito como dor em queimação, ocorrendo na ausência de achados visíveis relevantes ou em um distúrbio neurológico específico, clinicamente identificável’. Nesse momento, essa terminologia serviu para reconhecer a dor vulvar como um distúrbio real, mas deixou de classificar a síndrome como algo além de dor idiopática, ou seja, uma dor sem causa definida. Naquela época, pouco se sabia sobre os mecanismos fisiopatológicos que causam a vulvodínia e as opções de tratamento eram limitadas. Na última década, os pesquisadores identificaram uma série de causas de vulvodínia, bem como fatores / deficiências associadas. Isso resultou na necessidade de desenvolver um novo sistema de classificação para orientar os profissionais de saúde em direção a um melhor diagnóstico e tratamento3.
Em 2015, o ISSVD, a Sociedade Internacional para o Estudo da Saúde Sexual da Mulher (ISSWSH) e a Sociedade Internacional da Dor Pélvica (IPPS) se reuniram para revisar as evidências e publicar a Terminologia de Consenso de 2015 e Classificação da Dor Vulvar Persistente e Vulvodínia. Participaram também indivíduos do Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia, Sociedade Americana de Colposcopia e Patologia Cervical e Sociedade Nacional de Vulvodínia4.
Pode não parecer importante, mas não se trata apenas de nomenclatura, mas de uma nova forma de olhar e dessa forma vai impactar diretamente no tratamento.
As três sociedades revisaram as evidências e determinaram que a dor vulvar persistente causada por um distúrbio específico pode ser categorizada em sete grupos diferentes, com a vulvodínia como uma entidade separada distinta da dor vulvar não causada por um distúrbio específico.
Além disso, oito fatores / deficiências mostraram-se associados à vulvodínia, embora a pesquisa ainda não apoie se esses fatores são uma causa ou um efeito. O consenso e a conclusão finais foram de que “a vulvodínia não é uma doença, mas uma constelação de sintomas de vários processos (às vezes sobrepostos), que se beneficiarão melhor de uma variedade de tratamentos baseados em apresentações individuais”4. Ou seja, para elaborar o tratamento adequado todos esses sintomas precisam de tratamento individualizado.
Embora cada caso de vulvodínia seja diferente, há um componente comum subjacente nessas mulheres que pode causar dor significativa e limitações funcionais:
Então temos agora duas classificações: a (1) Dor Vulvar por um distúrbio especifico e a (2)Vulvodínea ,que pode (veja bem, PODE, não é regra) ter 8 fatores** como sua causa ou mesmo esses fatores serem efeitos da vulvodinea. Nesse momento, pense que a linha de tratamento pode mudar quando esses possíveis fatores são tratados em sua extensão. Vou explicar melhor mais adiante.
Dor vulvar causada por um distúrbio específico ou seja, o que não é definido como vulvodínea*:
Vulvodínia: então definida como dor vulvar com duração de pelo menos 3 meses, sem uma causa clara identificável, que pode ter fatores associados potenciais. A seguir, seguem como ela é classificada, chamamos de descritores:
* As mulheres podem ter um distúrbio específico (por exemplo, líquen escleroso, ou atrofia hormonal) e vulvodínia, ou seja, não é incomum ter a combinação de uma causa clinica específica e um quadro de vulvodínea1-5.
Esses fatores como falei acima lá nos dois asteriscos (**) podem estar associados à vulvulvodínea, não se tendo certeza se são causa ou efeito. Entretanto busca-se usar os fatores possível de serem corrigidos para tratar a vulvodínea. Por exemplo: é possível melhorar a flora e reduzir eventos de inflamação de repetição, ou tratar o compartimento muscular e corrigindo falhas e alterações que estão associadas ao sintoma .
Como é feito o exame pelo Fisioterapeuta8?
Após uma entrevista inicial a mulher é orientada para um exame físico seguido de um exame ginecológico aonde todos os procedimentos realizados serão cuidadosamente explicados.
Geralmente seguem alguns procedimentos básicos
Exame físico: feito com roupa de ginástica, para analise postural, aonde também são realizados testes ortopédicos para verificação de compressão ou estiramento neural
Exame Ginecológico:
Também chamado de teste do cotonete, deve ser realizado para avaliar a sensibilidade vulvar de forma a determinar a existência de áreas que exibam uma resposta anormal ao estímulo. Ou seja, um leve toque tem a interpretação de uma dor intensa, essa resposta de dor chamamos de alodínia. Este exame baseia-se num mapeamento da resposta à dor, onde um cotonete é usado para testar a sensibilidade ao toque, que se inicia na zona da coxa, deslocando-se, medialmente para os lábios maiores e sulco interlabial. Seguidamente, testa-se o vestíbulo, área onde o exame é realizado com mais detalhe, incluindo, normalmente, a avaliação de 5 ou 6 pontos de sensibilidade aos quais o examinador faz corresponder a referência do ponteiro de um relógio 6.
Nada neste site deve ser qualificado como diagnóstico médico. Você deve consultar seu médico ou outro médico para obter um diagnóstico e obter mais informações.
Quando muitos pensam em distúrbios do assoalho pélvico, que envolvem o comprometimento muscular, frequentemente se associam há condições associadas à incontinência urinária, prolapso de órgãos pélvicos, período gestacional, menopausa.
E erroneamente se automatiza a ideia da necessidade de fortalecimento. Se você é colega de profissão e está lendo isso sabe que “fortalecer” é no mais consequência de um trabalho muscular de ativação bem realizado.
Nas últimas duas décadas, numerosos estudos mostraram que a atuação da fisioterapia vai muito além desse cenário muscular, esses estudos mostram que os músculos do assoalho pélvico hipertônicos (com tensão aumentada) estão associados a distúrbios da dor pélvica e dispareunia (sinônimo para dor a relação sexual) , incluindo a vulvodínia 2-10 .
Em 2015, um estudo realizado para determinar a sensibilidade à dor nas mucosas versus dores musculares em mulheres com vestibulodinia provocada, concluíram que as medidas da mucosa isoladamente podem não capturar suficientemente o espectro do relato de dor clínica em mulheres com vestibulodinia provocada, o que é consistente com o sucesso da fisioterapia nessa população 9 , Trocando ainda mais em miúdos, esse estudo que falei encontra que não é apenas a dor ao toque na mucosa na entrada da acompanhava um comprometimento muscular.
Caso clinico 1: Isa* 18 anos, iniciou a vida sexual sem queixas de dor, relata que sentia prazer, tinha lubrificação e após vários episódios de candidíase (não sabe precisar quantos), seguidos de vários tratamentos com cremes/pomadas e fármacos em geral iniciou o quadro de ardência vulvar. Na avaliação apresentava mucosa vaginal hiperemiada (bem vermelha) e muita sensibilidade ao toque .
Seu tratamento foi conduzido com fotobiomodulação , eletroestimulação, reeducação muscular com biofeedback perineal. (todas as técnicas tem maiores informações em artigos)
Liz 22 anos, no momento da avaliação não tinha queixa de dor na relação sexual, pois estava sem parceiro, mas não relatava dor nas experiências anteriores, pelo que lembrava. Seu diagnóstico de vulvodínea se deu através de consulta de rotina no ginecologista, cuja única observação era que quase não sentia vontade de urinar e que tinha o intestino constipado. Apresentava dor ao toque e assoalho pélvico hipertônico. Sua conduta basicamente foi conduzida com reeducação muscular e a condição de dor teve redução considerável.
Caso 3: Jaque 36 anos, queixa de dor na relação sexual desde a primeira tentativa de dor na relação sexual há 16 anos.Relata ter aguardado a congretização do matrimonio para realizar o ato sexual . Já havia investigado através de vários médicos e não encontrava causa clinica. No nossa avaliação foi encontrada disfunção muscular persistente , com quadro de vaginismo e possível associação com endometriose. Veja nosso texto da Vulvudínea com Endometriose e Vulvodinea e Vaginismo na sequencia. Jaque foi diagnosticada com Vulvodinea Vestibular Provocada Primaria.
Na elaboração da conduta, foi priorizada educação em dor, controle muscular e técnicas de liberação neural.
Caso 4: Nanda 25 anos, relata ardência vulvar em repouso e provocada, inicio após a acidente de carro, aonde fraturou os joelhos. Vários profissionais a diagnosticaram com dor de origem psicogênica devido ao trauma. Nossos achados encontraram disfunção da articulação sacroilíaca. Devido relação entre os ligamentos da articulação sacroilíaca e o nervo pudendo, ela desenvolveu irritação do nervo pudendo que, por sua vez, causou a disfunção com queimação constante. Necessitamos de ajuda farmacológica para realizar as intervenções e aplicar o protocolo de tratamento, além de incluir na equipe osteopatia e terapia aquática
Todas as pacientes encontram-se com sua vida sexual ativa, algumas ainda realizam fisioterapia periodicamente e seguem um protocolo domiciliar.
Referencias
1-Macedo, Maria João. (2016). Dor pélvica em medicina geral e familiar: um caso clínico de vulvodinia. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, 32(4), 265-269.
2-Hartmann D, Strauhal MJ, Nelson CA. Tratamento de mulheres nos Estados Unidos com Vulvodinia localizada e provocada. Revista de Fisioterapia em Saúde da Mulher . 2007; 31 (3): 34–38. doi: 10.1097 / 01274882-200731030-00005.
3- Moyal-Barracco M, Lynch PJ. 2003 ISSVD terminology and classification of vulvodynia: a historical perspective. J Reprod Med. 2004;49:772.
4- Bornstein J, Goldstein AT, Stockdale CK, et al. 2015 terminologia e classificação de consenso ISSVD, ISSWSH e IPPS e dor persistente de Vulvar e Vulvodynia. O Jornal de Medicina Sexual . 2016; 13 (4): 607–612. doi: 10.1016 / j.jsxm.2016.02.1
5- v-Sagie A, Witkin SS. Avanços recentes na compreensão provocaram vestibulodinia. F1000Research . 2016; 5: 2581. doi: 10.12688 / f1000research.9603.1.
6. Haefner, H. K. et al. The vulvodynia guideline. J. Low. Genit. Tract Dis. 9, 40–51 (2005).
7-Goldstein AT, Pukall CF, Brown C, Bergeron S, Stein A, Kellogg-Spadt S. Vulvodynia: Avaliação e tratamento. O Jornal de Medicina Sexual . 2016; 13 (4): 572-590. doi: 10.1016 / j.jsxm.2016.01.020.
8- Driusso,Patricia,Beleza,Ana Carolina Sartorato. Avaliação Fisioterapêutica Da Musculatura Do Assoalho Pélvico Feminino, Ed Manole, 2018.
9- Witzeman K, Nguyen RHN, Eanes A, As-Sanie S, Zolnoun D. Mucosa versus sensibilidade à dor muscular na vestibulodinia provocada. Journal of Pain Research . Agosto de 2015: 549. doi: 10.2147 / jpr.s85705.
10- Thibault-Gagnon S, Morin M. Componentes ativos e passivos do tônus muscular do assoalho pélvico em mulheres com vestibulodinia provocada: uma perspectiva baseada em uma revisão da literatura. O Jornal de Medicina Sexual . 2015; 12 (11): 2178–2189. doi: 10.1111 / jsm.13028.